Muitos exclamaram ao saber que viria à China debater Direitos Humanos. Isso me provou que, para além de dois jornalistas (pelos quais não nutro muito respeito profissional, por conhecer os métodos que utilizam), muitas pessoas tem a visão tradicional que apenas os países ocidentais (ou aqueles autorizados pelos EUA) podem debater direitos humanos.
Eu poderia apenas dizer que poucos exclamariam se eu dissesse que iria aos EUA falar sobre isso. Mas lá há pena da morte, não é garantido acesso à saúde ao povo e eles coordenam todas as guerras em curso na Terra. Ou seja, somos quase ensinados a crer que os norte-americanos carregam a bandeira dos direitos humanos e não questionamos isso em nosso cotidiano.
É verdade que eles defendem que direitos humanos são apenas os direitos civis e políticos. Em última instância o voto. E tambem é verdade que essa é uma visão antiga, que data da guerra fria. Naquele período a União Soviética defendia que os direitos econômicos e sociais eram os fundamentais.
Para mim (e para a ONU), os direitos humanos modernos são tudo: direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Por isso, não temos um único país do mundo capaz de segurar essa bandeira. Por isso temos que construir de maneira comum.
Aqui, por exemplo, eles trabalham contra a fome e a miséria milenar. E é impossível negar que conquistam avancos significativos. Tem limites claros na liberdade de comunicação, por exemplo. Aqui já vigora o que chamamos de AI5 digital no Brasil. Mas negar a grande nação que a China se tornou é não entender como é realidade desse povo, dessa nação que congela e é desértica, que convive com a falta de alimentos. Garantir esse crescimento econômico e distribuição de renda no ritmo que o fazem é garantir que os direitos humanos avancem. Negar a eles o direito de debater Direitos Humanos é o mesmo que negar ao Brasil esse direito pela situação de nossos presídios ou negar a França pelo racismo que praticam muitos naquele país contra os arábes.
Quero apenas dizer com isso que todas as nossas nações tem limites para garantir a dignidade humana em sua plenitude. Essa visão segregada, da bandeira em uma única mão (sempre ocidental e americana) é anacrônica com os tempos que vivemos.
Além disso, não parece importante que cada vez tenhamos mais debates com o país que mais cresce no mundo?
O que penso é que a bandeira de direitos humanos deve ser construída por todas as mãos. E não deve ser usada para obstruir o desenvolvimento das nações ou para ensinarmos uns aos outros. Alguém aceitaria ver o Brasil ocupado por termos 500 mil presos sem dignidade e praticamente torturados? Ou por termos assassinatos de gays quase todos os dias? Ou por termos assassinatos no Pará. Esses são problemas graves. Mas são nossos problemas. Temos que debater e aprender com outras nações (porque não !?! ). Mas temos que, sobretudo, nós mesmos resolver nossos problemas.
Ao ouvir a Diretora do Conselho ONU para Direitos humanos, aqui em Pequim, ouvi uma frase que sintetiza esse pensamento: muitos são os avanços econômicos e sociais nos países em desenvolvimento, como a China. Mas é necessário respeitar as culturas locais. Ou seja, impor valores culturais, sociais, etc aos povos é tão perigoso quanto violar qualquer outro direito. É preciso lembrar que são direitos indivisíveis por isso não há um superior nem melhor que o outro.
Apenas um debate inicial. Mas quero dizer que fiquei muito honrada em ser a única sulamericana convidada, junto com representantes da Europa e de todos os países não ocidentais.
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