terça-feira, 14 de junho de 2011

Harvard

Francisco. Meu nome é Francisco. Assim Tuchinha da Mangueira apresentou-se para mim. O maior nome do tráfico daquele morro, sambista, homem que via o asfalto subir ao morro para sambar. Ele já decidiu: saiu do tráfico e vai entrar no Afroreggae. Vai ajudar a tirar jovens do crime. Diz que muita coisa mudou, quer ver a filha crescer. Assim, militando, ele se protege de todos os que não acreditam que ele deixou de ser dono do morro. De protege dos que o reverenciam para o mal e
Também daqueles que o sequestraram na ultima saída da cadeia para pegar o dinheiro que achavam que tinha (e que talvez tivesse). 
Rose Peituda. Chefe do tráfico de VIgário Geral. Uma das poucas donas de morro da história do tráfico. Tem seios pequenos. É peitudo porque retomou o morro em 24 horas em uma ocasião. Agora quer entrar para o Afroreggae e pregar em Lucas. Porque? Por que vivia em guerra com essa comunidade e quer sair do Comando e entrar para a facção de Jesus. A melhor amiga dela na cadeia? Jaqueline Beira-mar. Esposa dele. 
Sombra, chefe do Comando Vermelho. Magaiver, maior ladrão de bancos da história do Rio. Miguel, inteligente seqüestrador. Aldair, dono da Mangueira. Metralha, sobrevivente dos irmãos que dominaram a Rocinha. Um assassinado, outro paraplégico. Filho de uma professora aposentada, segundo grau Concluído com 17 anos.
Em comum? Nenhum romantismo. Mas cansaço de fugas, tiros e filhos que passam pelo constrangimento das visitas em presídios. Também a conclusão de que em 40 anos, 20 foram perdidos "tirando cadeia". Todos com disposição de passarem a militar na "facção" Afroreggae. Mostrar aos jovens outro caminho. Saída do tráfico. Menos violência. Isso é o que vim conhecer, ouvir em seis presídios em Bangú.  A gente quer paz. Para isso, nada mais importante do que mudar os donos de parte da violência de lado.
O Junior, do afroreggae, disse uma ótima frase: estás fazendo Harvard em chefes de crime. Sim. Ouvi aos caras mais importantes nesse assunto (além desses Estão Beira-mar, Marcinho VP, Elias Maluco). E ouvi de todos o desejo pragmático de mudar de vida. Uns no trabalho do Afro, outros reconstruindo a vida em outro estado.
Mas o que me chamou atenção foi que Sem saber Junior escreveu esse texto por mim. Sexta-feira embarco para Boston, EUA. Passarei 4 dias em Harvard. Eles me fizeram um convite para debater as perspectivas do Brasil. Isso me fará migrar de um universo para outro.
Mas as duas tem um grande vínculo: as perspectivas do Brasil passam pela diminuição da violência. Ou seja, a Harvard de lá precisa entender a daqui, ali em Bangu.

3 comentários:

  1. Hoje trabalhando no sistema penitenciário do Rio Grande do Sul, percebo que muitas dessas pessoas que estão reclusas de sua liberdade, são na verdade vítimas de sua realidade, da localidade e ambiente onde convivem. O Estado não tem como amparar seu povo, e muitos se "jogam" para a criminalidade, roubo, tráfico etc...
    O Brasil precisa rever o conceito de resocialização e mudar o destino dessas pessoas.
    Há muitos agentes disposto a ajudar.
    ass AP

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  2. Mas também penso uma coisa, é muito fácil e bonito, falar de regeneração depois de terem feito muita desgraça na vida, heróis de verdade, são os outras centenas de milhares de pessoas, que tiveram a mesma vida difícil, mas nunca roubaram nem mataram ninguém, e vivem com um salário mínimo!!

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  3. Cléber,
    mais fácil que tudo isso que tu disseste é falar por detrás de um computador. É julgar alguém que cresceu num ambiente hositl,com uma família desestruturada, provavelmente. Onde o exemplo de respeito era o traficante. O mesmo traficante que fez o menino virar traficante.
    Quando não se vive o que eles viveram, não viu o que viram, não teve as dificuldades que eles tiveram, aí fica muito fácil falar, Cléber.
    Sem romantismo, como já disse a Manuela.

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