Estive em El Salvador por uns dias. Fui à segunda Cumbre de Jovens Líderes, um encontro que ocorre antes do encontro dos Presidentes dos países íbero-americanos. Reencontrei amigos de todos os países. Muitos deles atuam nos movimentos sociais, nos parlamentos, em governos democráticos. Tentam melhorar a vida das pessoas. Camilo, por exemplo, um antigo militante da juventude comunista paraguaia, hoje é Ministro do Presidente Lugo.
Um deles, porém, merece ter parte da história contada. Um jovem argentino que redescobriu sua identidade aos 25 anos. Algumas vezes, os jovens da minha geração, escutam a história da ditadura militar brasileira e a percebem muito distante, quase como uma ficção. Não acreditam que alguém não pudesse ter o direito de explicitar seu pensamento, militar em uma organização política, trabalhar para melhorar as condições de vida do povo. Somos uma geração que já nasceu com a redemocratização. Nos formamos livremente e assim, mesmo os que conhecemos o terror dos regimes militares, o fazemos a partir dos livros de história.
Juan não é alguém que conhece a ditadura como eu. Como meus amigos. É diferente. Aos 25 anos descobriu que havia sido roubado da jovem mãe numa das maiores prisões políticas do continente. Que seus pais verdadeiros haviam sido mortos pela cruel ditadura argentina. Descobriu que aqueles que haviam o criado por 25 anos não apenas não eram seus pais biológicos mas eram parceiros de um regime crual, assassino.
Mudou de identidade. Aliás, assumiu a sua. Mudou de nome. Aliás, assumiu o seu. Talvez tenha mudado a sua forma de ver o mundo. Ou melhor, provavelmente tenha assimilado aquilo que seus verdadeiros pais o teriam permitido ser: um jovem militante social da Argentina.
Por que escrevo isso hoje aqui? Por dois motivos. O primeiro, mais simples: um registro da história de nossos países para que possamos, como bem dizem os judeus, lembrar para que nunca mais aconteça. Um registro para que outros jovens vejam que é preciso lutar, trabalhar, construir um mundo melhor. E que sempre que esse mundo melhorou foi porque jovens lutaram. E alguns morreram, como os pais de Juan, como tantos brasileiros.
O segundo motivo é, porém, mais verdadeiro. Fiquei muito impressionada com o resultado desse processo sobre Juan. Lembrei-me que, em minha campanha a Prefeitura de Porto Alegre, o amigo deputado Nelson Proença dizia: "a Manuela é mel sobre pedra. Doce e firme." Sempre agradeci ao Proença. Mas para o bem da verdade, nunca concluí se eu sou mais mel ou mais pedra. Acho que luto para manter-me um pouco de mel em um mundo duro como as pedras.
Mas meu mundo nunca foi duro como o de Juan. E ele, ao contrário, parece ter certeza que é "mel sobre pedras". As pedras de sua vida foram pesadas. Mais pesadas do que a maior parte de nós consegue se imaginar carregando. Ele, porém, resistiu. Tornou-se deputado em Buenos Aires, luta para que outros jovens descubram sua identidade. Todavia, não se dá por satisfeito. Em um momento me disse: "Não gosto de discutir apenas juventude, é preciso discutir os problemas do desenvolvimento dos países para todos". Mas não é seco ou frio como, naturalmente, poderia ser. É sensível, apesar de tudo o que enfrentou.
Em apenas cinco anos ele sabe o que é e em quem se tornou. Che Guevara diria que ele tornou-se firme e não perdeu a ternura. Eu apenas diria: Ele é Juan, mel sobre as pedras.
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