terça-feira, 29 de outubro de 2013

Pingo d'água

Sobras.
Pés sujos no pano de chão. 
Sombras. 

Pingo d'água,
Pingo D'ouro,
Saco de lixo.
De grão em grão a galinha enche o saco.



segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Infiltração

O cheiro de mofo dos móveis escuros era antigo e forte como tudo verdadeiro que ele guardava dentro de si. No pequeno apartamento com as paredes amarelas e vermelhas o sorriso sempre um pouco triste, nos almoços de domingo, não o deixava mentir. Algo havia morrido. Ela estava viva nos pingos da infiltração.

domingo, 13 de outubro de 2013

Olhares

Eram três pares de pernas cruzadas para um mesmo lado no sofá. E eu. olhava como olhava o quadro na parede, o sorriso no rosto, a vida passando. 
Eram pernas cruzadas e um olhar de saudade que entregava tudo. Proporcional ao ódio que exalava minutos depois. Eram todos parte de uma mesma coisa. E eu. Que olhava, apenas.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Infértil

Larga distância de pequenos silêncios entre nós,
arrancaste minha cabeça de teu peito com a força de quem cospe a semente da laranja.
Deixei que ela caísse no solo,
não há mais nada para germinar.




terça-feira, 8 de outubro de 2013

Inverno

Olhos no umbigo,
Terra que gira ao redor.
De tanto olhar pra dentro
Tropeço no próprio pé.

No espelho reflete a tristeza 
Da solidão que desejas
Teu silêncio manda embora 
Até as flores da estação.


 

Ruídos

A cortina de crochê multiplicava as cores do sol no pequeno apartamento sem divisórias. A louça na pia, o pano no chão, a correspondência jogada no canto, a vida sem rumo, a gota que pingava do chuveiro e desafiava o tênue equilíbrio encontrado. Mais um amanhecer sem reconhecer o rosto deitado ao seu lado. sentia apenas o peso da condenação sem provas ao vestir o uniforme da fábrica de bonecas de porcelana. Há alguns invernos a deixava sozinha na cama sem o caloroso abraço de despedida. Apenas os ruídos da porta finalizando a estória que já havia sido feliz.

domingo, 6 de outubro de 2013

Maquiagem

Todos os dias antes de cruzar a porta, ao olhar o grande espelho sabia que teria que voltar um pouco melhor, com um sorriso mais largo, uma palavra mais doce. Dava um pouco de si em cada sorriso, cama esticada, roupa lavada, camisa passada. E quando flutuava, leve, por tanto amar, viu o punho fechado vindo em sua direção. 
se olhou no espelho, cobriu o olho, sabia que seria um dia de cada vez. Tentando maquiar as dores da alma.

Borboleta

Na ponta dos dedos dos pés subiu em cima da privada fechada. As pequenas prateleiras instaladas próximas ao cano d'água abrigavam toda espécie de caixas de passado e coisas que não sabia como ordenar no cotidiano, como enfeites de Natal. Ali encontraria os verbos fortes conjugados quando quis ferir naquele noite. Na caixa de ferramentas avistou o que buscava. No cano do chuveiro, o nó que levou tempos para aprender. Soltou os pés. Voou. 

sábado, 5 de outubro de 2013

Trapo

Todas as cores do mundo  nos frascos de shampoo amontoados na basculante do pequeno banheiro. Borbulham espumas nos cabelos enquanto ela chora sentada perto do ralo de plástico, os azulejos são velhos. 
Levanta. A toalha já parece pano de chão. Esfrega o corpo como quem lava panela grudada. Há muito peso para tirar, mágoas de tudo que ouviu. Deu tudo de si e ficou ali, trancada na menor peça do quebra-cabeça. 
Passa a mão no bafo do espelho. Vê o rosto desforme. Gira a chave. Enrolada no trapo toalha está pronta pra enfrentar o mundo.

Exaustor

A sujeira do exaustor, a lasca tirada do canto do prato, o pano encardido. O verde mofado no pão e no queijo, o verde germinando na cebola da gaveta. 
Escolhe a faca, abre a torneira, a água é transparente. Olha para o próprio pulso, limpa a cebola e corta. Chora. 

Carmim

A claridade invade a vida antes do horario combinado pelas frestas que sobram na janela. Desperta para o dia, ainda é hora pra ser noite. O quarto verde-hospital guarda lembranças sonhadas, uma vida na gaveta de lingeries.
Escova os dentes e os cabelos nos circulares movimentos de sempre, abotoa a camisa carmim como já fora o batom. toma o café e mastiga lentamente um biscoito água e sal.
Liga o rádio. Não há previsão de chuva. Olha o relógio. É hora de descer, ir para a praça, esperar o ônibus, vagar sempre sem rumo. Mas na linha certa.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Espera

O barulho das crianças é trilha sonora da pequena cadeira que habita a sala. Vive perto da escola. Há anos. Há tantos anos sozinho, naquele apartamento com o lustre verde e vermelho pendurado. 
Os livros formam montanhas próximas as paredes amarelas. Os armários cheiram a mofo. As idéias cheiram o mofo. 
Senta na cadeira, abre um livro, espera mais uma vez o amor que nunca chegou.

Do lado de dentro

Do lado de dentro, o teto desaba em nossas cabeças. Esperanças perdidas no apartamento abandonado.
O tempo leva tudo, deixa marcas na parede descascada, na cozinha com as lajotas de um século que acabou. A família desfeita. 
Recomeçar. 

Do lado de dentro, o coração bate forte. 
Ele explica as dores e cores de um passado que se perpetua em cada peça, em si mesmo.
Prisioneiro.
Tenta ser livre.

Do lado de dentro, o coração bate forte. 
Em cada passo, em cada peça imagina se um lugar com tantas memórias terá espaço para as dela, as deles, os móveis, utensílios domésticos e todos os sonhos que  juntos ainda irão sonhar.