quarta-feira, 12 de maio de 2010

Família: qualquer maneira de amar vale a pena

O que caracteriza uma família? O que faz com que essa família jogue um papel fundamental na construção de uma sociedade de paz, de valores éticos, de crianças e jovens não violentos? É possível que a lei tente impor um tipo de família com base em determinados valores que alguns de nós possuem e outros não?
Foi sobre isso que discutimos hoje na Comissão de Constituição e Justiça sobre o Estatuto da família. Nossa legislação não acompanhou as mudanças reais da sociedade. Eu costumo dizer que existem duas formas de legislarmos. Uma em cima da "realidade real", a vida das pessoas, aquilo que de fato ocorre. Outra em cima de uma "realidade imaginária", a forma como gostaríamos ou alguns gostariam que a realidade fosse.
Sobre a família muitos agem com base na realidade imaginária. Família é o pai, a mãe, os filhos. As crianças serão criadas num ambiente de amor, com plenas condições de desenvolver-se. O fato é que essa não é única parte da realidade. É um fragmento. Muitos vivem assim e são felizes. Outros tantos não. O fato é que hoje nossa legislação protege apenas a esses. É óbvio que ninguém é contra isso. Todos admiramos e respeitamos a essas pessoas. mas e as outras não merecem proteção da lei?
Qual o argumento para a legislação de um país não garantir os direitos a um casal homossexual? Alguém pode me dizer como, um indivíduo adulto, não pode escolher com quem se relacionar? Quem prefere uma criança nas ruas, no crack, num orfanato ao invés de estar num ambiente de amor com um casal de homossexuais?
Para mim família é constituida com base no afeto.
É óbvio que eu tenho o direito de não querer isso para mim. Tenho o direito até de achar absolutamente sem sentido. Mas as leis, em um Estado laico, não devem ser pautadas na moral de alguns. Mas nos direitos de todos. Nossa constituição garante igualdade de direitos. É só isso que estamos discutindo.
Muitas vezes aqui na Câmara debatemos que os juízes querem "legislar". E que nós deputados somos eleitos para isso e os juízes não. Certo. Mas o Poder Judiciário tem sido mais rápido, mais eficiente e mais laico ao legislar em favor das "novas famílias". Temos que correr atrás.
O mundo muda. As leis devem acompanhar a essas mudanças. por exemplo, há alguns anos, as mulheres cuidavam dos filhos de maneira integral. Hoje, trabalham. Isso gera a demanda das creches e de todo o sistema educacional ser revisto. As mulheres são culpadas? EVIDENTE que não. São conquistas nossas. Que geram novas demandas. Assim caminho a sociedade. Assim devem caminhar as leis, em minha opinião.
Além disso, eu vi tanta raiva, tanto preconceito do outro lado. Tanta falta de amor ao mundo e tanto dogma que fiquei triste. Fiquei triste por ouvir (nos murmurinhos) que é melhor para uma criança ser abandonada do que criada por um gay, triste por ver que tem muita gente que não respeita as diferenças.
mas isso deve nos animar para a luta, né? Porque se hoje ainda não é uma realidade que "qualquer maneira de amar vale a pena", amanhã , se lutarmos, valerá.

9 comentários:

Luciana disse...

Manu. Ontem o profissão repórter abordou o tema das familias que estão se acostumando a lidar com filhos gays. Este video é a melhor parte. Emocionante!
beijo!

http://www.youtube.com/watch?v=rhjwPgKYrZk

Emilly Garcia disse...

É isso aí, família não tem fórmula, desde que se tenha amor. Essa discussão vai ter uma continuação? Ah, sugiro um vídeo, que mostra um garotinho criado por dois pais. É lindo! http://bit.ly/8pRsj

Alana Pedruzzi disse...

Acompanhei a audiência de hoje e vi o mesmo que tu, o ódio e o preconceito disfarçados de moral e liberdade religiosa, e se isso não bastasse, inclua também uma boa dose de egoísmo e falta de noção!
Ainda bem que os nossos argumentos foram bons, acredito que ganhamos a briga contra aqueles que preferem o 'griteiro' aos bons argumentos. Na última fala do Toni Reis, ao ouvir o grito de desespero de alguns, lembrei de uma frase que tu citou: "Se tens razão porque gritas? E senão tens, mais um motivo para não gritares"
Um abraço!

LFO disse...

Muito bonito seu texto e parabéns pela defesa, você não está sozinha nesta luta, e não são só os homossexuais que estão com voc~e, mas todos aqueles que querem uma sociedade, mais justa e igualitária. Apoio e acho muito bonito as diversas formas de amar, não me apoio em dogmas primários, passei disto. E espero que muitas pessoas revejam a raiva com que levam suas vidas e com que pautam suas opiniões, preconceitos existem para serem quebrados, estou com você nesta luta. Parabéns!

Unknown disse...

Deputada,

Pena que 3 minutos correm muito rapidamente, mas o seu pronunciamento foi excelente! Uma pena ter visto tanta raiva e tantos pronunciamentos que confundem a tentativa de alcançar Direitos Civis com uma suposta afronta religiosa ...
Sou advogada, membro do IBDFAM, fiz minha tese de mestrado sobre a homoafetividade e quando começamos a conversar sobre o assunto: logo vem a mesma conversa: É pecado! É imoral! Vai contra os valores morais ...
Mas normalmente o que ninguém sabe é que sou Católica, praticante, acredito em Deus e nem por isso tenho arraigado em mim esse preconceito homofóbico! Pelo contrário!
Como você, acredito que o Brasil é um Estado laico. Crença religiosa e direitos civis em nada se misturam ...

E mais ... Fiquei chocada quando um dos pastores ou já não sei se foi um dos seus colegas, deputados, disse que a homossexualidade "pegava" ...

Quando à questão da homoparentalidade natural ou por adoção ... Muitos preconceitos infundados ...

Há quase uma década atrás, em Outubro de 2000, a tese de um jovem psiquiatra infantil mostrou que o desenvolvimento psicológico de crianças criadas pelos pais homossexuais é semelhante à dos infantes criados por duas pessoas de sexos diferentes. (Tese de Doutoramento em Medicina, na Universidade de Bordeaux de, NAUDAU, S., entitulada Aproche psychologique et comportamentale des enfants vivant en milleu homoparental.) É mister salientar que existem muitos estudos similares nos EUA. A Academia Americana de Pediatria já se manifestou publicamente em prol da adoção por indivíduo ou par homossexual. (Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health. “Coparent or Second-Parent Adoption by Same-Sex Parents”, em PEDIATRICS: the official journal of the American Academy of Pediatrics, vol. 109, n. 2, February. Elk Grove Village: American Academy of Pediatrics, p. 339-340, 2002).

Pesquisas feitas em famílias formadas por lésbicas e a prole biológica de uma delas (resultado de PMA), levaram à conclusão de que o papel de ambas as mães (a biológica e a social) possuem a mesma intensidade na vida dos infantes. As crianças responderam a questionários sobre o que sentiam em relação a sua mãe biológica e mãe afetiva, relativamente à sensibilidade, afeto e ternura dispensados a eles, assim como autoridade por elas exercida. Disparidades não foram encontradas. Para além disso, restou provado que as mães sociais se encontram tão envolvidas no processo de educação das crianças quanto as mães biológicas.(VANFRAUSSEN, Katrien; PONJAERT-KRISTOFFERSEN, Ingrid; BREWAEYS, Anne. “L´insemination artificielle dans les familles lesbiennes: grandir dans une famille non traditionnelle”, em Homoparentalités, état des lieux/ Martine Gross (éditeur). Toulouse: Éditions Érès, p. 241-250, 2005, p. 244).

Unknown disse...

Quanto à adoção, o melhor interesse da criança se desdobra no direito à convivência familiar e na proibição de abandono familiar e social da criança. E a adoção vem para suprir essas necessidades, no caso de infantes que não possuam uma família.
Tal instituto configura uma forma genuína de garantir o melhor interesse da criança , sendo um direito fundamental de todo cidadão crescer em um ambiente familiar e gozar de uma vida em sociedade. Contrapõe-se ao usual sistema de institucionalização , que mantém os menores abandonados moral e materialmente pelos pais, em regime fechado, obstando a colocação em família substituta.

Basicamente, contrariando a possibilidade de adoção por homossexuais, são trazidos à baila os seguintes argumentos: perigo potencial de o infante sofrer violência sexual; o risco de ser influenciado pela orientação sexual do adotante; a incapacidade educativa dos pais homossexuais; a possível dificuldade de inserção social do infante como consequência da orientação sexual do adotante.

Relativamente às questões supra aduzidas, pode-se afirmar que relativamente ao suposto perigo de sofrer violência sexual por parte do adotante, restou comprovado em pesquisa social que 95% destes casos provêm de heterossexuais. (RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito, cit., p. 141; VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade, cit., p. 541. Note-se que os autores fazem referência à uma pesquisa realizada em território norte-americano. Em outra pesquisa realizada nos EUA, foram estudados casos de 269 crianças abusadas sexualmente. Do número total de casos, apenas 2 pessoas com orientação homossexual foram identificadas como abusadores, ou seja, menos de 1%. Essa pesquisa pode levar ao juízo de que o risco de uma criança ser molestada sexualmente pelo parceiro heterossexual de um parente é mais de 100 vezes maior do que ser abusada por um indivíduo homossexual. MALLON, Gerald P. Gay Men Choosing Parenthood. New York: Columbia University Press, 2004, p. 12.)
É de se ressaltar que não existe um único caso, no território brasileiro, de filho adotivo ou natural molestado sexualmente por seu progenitor homossexual. (DIAS, Maria Berenice, “A Justiça e a invisibilidade do incesto”. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/site/content.php?cont_id=925&isPopUp=true . Acesso em: 01/06/2009.)

Unknown disse...

Acho que com base nessas informações e muitas outras que existem, o debate no lado contrário poderia ser mais científico e menos fundamentalista ...
Acho que faltou mais ciência, menos religião e mais coerência ...

De qualquer forma, V. Exa. está de parabéns ...
São poucos os que dão a cara pra bater numa matéria tão palpitante e polêmica!

Unknown disse...

No que concerne à possibilidade de influência da orientação sexual do adotante na orientação do infante, estudos comprovam que a prole de pais homossexuais não possuem maior probabilidade de serem homossexuais que os filhos de heterossexuais. Acrescenta, sobre a questão, Roger Raupp Rios que “vale mencionar, nesse momento o caráter discriminatório injustificado pressuposto nesta argumentação. Parte-se da premissa de que, se fosse correta tal relação de causalidade, dever-se-ia evitar a adoção por homossexuais em face do caráter pernicioso e maléfico que tal orientação sexual, por si mesma, representaria. Trata-se de premissa totalmente discriminatória e segregacionista, sem qualquer fundamento racional, tendo em vista a compreensão contemporânea a respeito da homossexualidade”. RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito, cit., p. 141-142.

Na doutrina norte-americana, assevera Evan Wolfson que as crianças de hoje não se tornarão – ou estarão mais propensas a se tornarem – homossexuais, porque seus pais ou professores possuem essa orientação sexual, ou porque estão a crescer em uma sociedade que paulatinamente vem aceitando e oferecendo suporte aos homossexuais e às famílias homoafetivas. Enquanto a ciência não indica exatamente o que determina a orientação sexual de uma pessoa, uma coisa é certa e clara: não é uma questão de escolha ou de influência dos pais. (WOLFSON, Evan. Why Marriage Matters, cit., p. 98. Corroborando o raciocínio de Evan Wolfson e trazendo à baila uma questão muito interessante, se manifesta Gerald Pallon, afirmando que não existem indícios científicos quaisquer que, sequer, levantem a questão de a homossexualidade ser fruto de influência dos pais e questionando: se a orientação homossexual do pai ou da mãe afeta a criança, porque homossexuais criados por pais heterossexuais não são heterossexuais? MALLON, Gerald P. Gay Men Choosing Parenthood, cit., p. 12.)

Acrescenta-se ainda na doutrina lusitana que estudos evidenciaram que ser homossexual é perfeitamente compatível com o desenvolvimento de uma parentalidade efetiva. Afirma-se também que em uma pesquisa restou provado que as mães homossexuais ofereciam respostas mais centradas na sua prole do que as mães heterossexuais. Tampouco foram encontradas diferenças entre as mulheres no que tange aos seus interesses maternais, nas suas práticas educativas e nos seus estilos de vida. E, não foram encontradas evidências de confusão na identidade sexual dos filhos de casais do mesmo sexo. (ALARCÃO, Madalena. (Des)equilíbrios familiares, cit., p. 230-231.)
É de se ressaltar ainda que pesquisas indicam que as crianças criadas por pais homossexuais não têm qualquer dificuldade fora do normal para conviver com as famílias. Também apontam que esses infantes não tiveram mais dificuldade na escola, sofreram quaisquer problemas de auto-estima, ou foram, de forma alguma, mais propensos a ter comportamento auto-destrutivo do que as crianças criadas pelos pais heterossexuais. Além disso, um estudo que acompanhou as crianças de pais gays e mães lésbicas desde o nascimento até idade adulta, considerou que as habilidade destes indivíduos na transição para a vida adulta e para encontrar emprego em nada diferem dos jovens educados pelos pais heterossexuais. (WOLFSON, Evan. Why Marriage Matters, cit., p. 92.)

Unknown disse...

Manu. acompanhei o debate a respeito da proposta da nova lei que fala da adoção e da união estavel entre pessoas do mesmo sexo!gostaria de te parabenizar pelo que tu dissestes, e dizer que foi lamentavel o que alguns deputados falaram, mais triste ainda ouvir o pronunciamento do pastor Silas Malafaia,com todo respeito a sua doutrina e tenho certeza que é um grande icone entre seus admiradores,mas infelizmente discursos como esse so engrandecem e alimentam o preconceito de alguns. O que mais me espanta é a falta da capacidade por parte dessas pessoas de se colocar no lugar do outros, pois se eles se colocassem um pouco em nosso lugar ou se talvez tivessem um filho homossexual, talvez assim eles não levantassem tanto o nariz para falar contra! Fica aqui meu desabafo e minha admiração pelo teu trabalho!