domingo, 10 de novembro de 2013

"A vida? Que venha de novo"

Quando criei o blog, no final do ano de 2008, escrevi logo ali no canto da tela: "há tanto dentro de mim. E eu tenho que jogar pra fora.".
São cinco anos e várias vidas dentro de uma. Em eleições, duas. Uma vitória, uma derrota. Empate. Em poesias, centenas. Joguei pra fora coisas minhas, dos outros, imaginações e num certo sentido, aqui também me reinventei.. Decidi ficar na minha cidade, ser ainda mais feliz, contribuir mais de perto com o meu estado, viver junto de quem amo e fazer política fisicamente mais próxima dos movimentos sociais. Me sinto encerrando um ciclo na política e também na vida. 
Por isso, decidi deixar de escrever aqui no bola de meia bola de gude. Talvez faça um outro blog. Talvez em outro momento ele seja reinventado. Por hora, vou me dedicar a olhar os poemas desses anos com atenção e pensar no que fazer com eles todos. 
Adorei crescer com vocês nos cinco anos de "há uma menina". Ela segue bem viva e agarrando forte a minha mão. Apenas não precisa, por hora, jogar tanta coisa pra fora. "A vida? que venha de novo", termino citando o mesmo Nitzchie,do primeiro post.
Até breve,
Um beijo e boa luta!

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Vaca

Me fizeste bicho acuado no canto, pronto para o abate. 
Sangro, exposta aos teus olhos que devoram a felicidade que podíamos ter.
Cortas, sangue, dores, mágoas. 
Sou apenas o animal que chora enquanto o algoz vira de costas com a faca na mão. 
Tal qual carne no açougue 
Descubro novas partes de mim.
Já não volto. 
vaca, anta, ovelha. 
Estou em pedaços. 
Pedaços do que fomos para sempre.

Intrusa

Precisavas de mim para enterrar os teus mortos, apenas.
Robótica,
patética,
Milimetricamente no lugar adequado.
Precisavas de mim para esquecer teu martírio, voltar a acreditar em ti, em tudo.
Sorriso,
Lágrima,
Drama. 
Agora? Podes ir embora, intrusa.

Bar

Copo alto, com gelo, por favor. Nele, todas as minhas ilusões.
Bebes um gole do que fomos nós. A pedra enche tua bochecha. Mastigas cada pedaço de minha felicidade e cospes na cara, devagar e repleto de nojo.
Corro, vômito na garganta, para o banheiro. A porta, em
Batom vermelho, avisa: quem mandou acreditar?

domingo, 3 de novembro de 2013

Falsidade

as vírgulas mudam todo o sentido. tiram tudo de ordem. 
Bagunçam o coração.
Pequenos sinais gráficos que declaram guerra a quem finge nos amar.
Olhos de vírgulas, 
frases soltas vírgulas,
paixões vírgulas. 
Desatentos entregam a verdade.
Falsidade.
Ponto final.

Lixo

Eram duas as janelas que me protegiam do barulho da rua,
daquela vida inteira com sons estranhos que contorciam meu estômago, fazendo com que eu vomitasse a última da gargalha de nós dois. 
Agora tudo cabia dentro de uma pequena caixa de papelão. Tudo era lixo. Os sonhos, os medos, o choro. 
Joguei até o nojo de ti fora. 

sábado, 2 de novembro de 2013

Para sempre

Sublinhas cada palavra de meu corpo como quem conhecesse o dicionário inteiro. 
Como quem não quer nada, me perdes de vista. te reencontro no sorriso que dou às lembranças de uma tarde qualquer.
Contorno todo o teu rosto com meu dedo, fecho teus olhos. Cruzo as mãos sobre o peito. 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Pingo d'água

Sobras.
Pés sujos no pano de chão. 
Sombras. 

Pingo d'água,
Pingo D'ouro,
Saco de lixo.
De grão em grão a galinha enche o saco.



segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Infiltração

O cheiro de mofo dos móveis escuros era antigo e forte como tudo verdadeiro que ele guardava dentro de si. No pequeno apartamento com as paredes amarelas e vermelhas o sorriso sempre um pouco triste, nos almoços de domingo, não o deixava mentir. Algo havia morrido. Ela estava viva nos pingos da infiltração.

domingo, 13 de outubro de 2013

Olhares

Eram três pares de pernas cruzadas para um mesmo lado no sofá. E eu. olhava como olhava o quadro na parede, o sorriso no rosto, a vida passando. 
Eram pernas cruzadas e um olhar de saudade que entregava tudo. Proporcional ao ódio que exalava minutos depois. Eram todos parte de uma mesma coisa. E eu. Que olhava, apenas.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Infértil

Larga distância de pequenos silêncios entre nós,
arrancaste minha cabeça de teu peito com a força de quem cospe a semente da laranja.
Deixei que ela caísse no solo,
não há mais nada para germinar.




terça-feira, 8 de outubro de 2013

Inverno

Olhos no umbigo,
Terra que gira ao redor.
De tanto olhar pra dentro
Tropeço no próprio pé.

No espelho reflete a tristeza 
Da solidão que desejas
Teu silêncio manda embora 
Até as flores da estação.


 

Ruídos

A cortina de crochê multiplicava as cores do sol no pequeno apartamento sem divisórias. A louça na pia, o pano no chão, a correspondência jogada no canto, a vida sem rumo, a gota que pingava do chuveiro e desafiava o tênue equilíbrio encontrado. Mais um amanhecer sem reconhecer o rosto deitado ao seu lado. sentia apenas o peso da condenação sem provas ao vestir o uniforme da fábrica de bonecas de porcelana. Há alguns invernos a deixava sozinha na cama sem o caloroso abraço de despedida. Apenas os ruídos da porta finalizando a estória que já havia sido feliz.

domingo, 6 de outubro de 2013

Maquiagem

Todos os dias antes de cruzar a porta, ao olhar o grande espelho sabia que teria que voltar um pouco melhor, com um sorriso mais largo, uma palavra mais doce. Dava um pouco de si em cada sorriso, cama esticada, roupa lavada, camisa passada. E quando flutuava, leve, por tanto amar, viu o punho fechado vindo em sua direção. 
se olhou no espelho, cobriu o olho, sabia que seria um dia de cada vez. Tentando maquiar as dores da alma.

Borboleta

Na ponta dos dedos dos pés subiu em cima da privada fechada. As pequenas prateleiras instaladas próximas ao cano d'água abrigavam toda espécie de caixas de passado e coisas que não sabia como ordenar no cotidiano, como enfeites de Natal. Ali encontraria os verbos fortes conjugados quando quis ferir naquele noite. Na caixa de ferramentas avistou o que buscava. No cano do chuveiro, o nó que levou tempos para aprender. Soltou os pés. Voou. 

sábado, 5 de outubro de 2013

Trapo

Todas as cores do mundo  nos frascos de shampoo amontoados na basculante do pequeno banheiro. Borbulham espumas nos cabelos enquanto ela chora sentada perto do ralo de plástico, os azulejos são velhos. 
Levanta. A toalha já parece pano de chão. Esfrega o corpo como quem lava panela grudada. Há muito peso para tirar, mágoas de tudo que ouviu. Deu tudo de si e ficou ali, trancada na menor peça do quebra-cabeça. 
Passa a mão no bafo do espelho. Vê o rosto desforme. Gira a chave. Enrolada no trapo toalha está pronta pra enfrentar o mundo.

Exaustor

A sujeira do exaustor, a lasca tirada do canto do prato, o pano encardido. O verde mofado no pão e no queijo, o verde germinando na cebola da gaveta. 
Escolhe a faca, abre a torneira, a água é transparente. Olha para o próprio pulso, limpa a cebola e corta. Chora. 

Carmim

A claridade invade a vida antes do horario combinado pelas frestas que sobram na janela. Desperta para o dia, ainda é hora pra ser noite. O quarto verde-hospital guarda lembranças sonhadas, uma vida na gaveta de lingeries.
Escova os dentes e os cabelos nos circulares movimentos de sempre, abotoa a camisa carmim como já fora o batom. toma o café e mastiga lentamente um biscoito água e sal.
Liga o rádio. Não há previsão de chuva. Olha o relógio. É hora de descer, ir para a praça, esperar o ônibus, vagar sempre sem rumo. Mas na linha certa.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Espera

O barulho das crianças é trilha sonora da pequena cadeira que habita a sala. Vive perto da escola. Há anos. Há tantos anos sozinho, naquele apartamento com o lustre verde e vermelho pendurado. 
Os livros formam montanhas próximas as paredes amarelas. Os armários cheiram a mofo. As idéias cheiram o mofo. 
Senta na cadeira, abre um livro, espera mais uma vez o amor que nunca chegou.

Do lado de dentro

Do lado de dentro, o teto desaba em nossas cabeças. Esperanças perdidas no apartamento abandonado.
O tempo leva tudo, deixa marcas na parede descascada, na cozinha com as lajotas de um século que acabou. A família desfeita. 
Recomeçar. 

Do lado de dentro, o coração bate forte. 
Ele explica as dores e cores de um passado que se perpetua em cada peça, em si mesmo.
Prisioneiro.
Tenta ser livre.

Do lado de dentro, o coração bate forte. 
Em cada passo, em cada peça imagina se um lugar com tantas memórias terá espaço para as dela, as deles, os móveis, utensílios domésticos e todos os sonhos que  juntos ainda irão sonhar. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Soco no ar

E se o saco de pancadas sumisse?
E se depois do talco, ataduras e luvas postas restasse apenas a corrente sacudindo vazia? 
E se o punho fechado, de repente, batesse no ar? 
Talvez então os socos não fossem mais necessários.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Calos


Quando machucas
não escrevo, calo.
sepulto em mim cada vez que me fazes percorrer a longa estrada da solidão. 
Levo os calos nos pés. 
sigo.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Guaraná champagne

O Guaraná champagne borbulha no copo vazio de fé.
A laranja vai e vem como nós dois: com pressa, sem direção, perdida no espaço.
Ela é inteira sendo fatia, pedaço, metade.
O guaraná champagne borbulha ferindo a laranja, como fazes comigo.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Castelo

Fantasmas e monstros gritam e chutam, antes de abandonar o castelo. 
Da torre os vejo partir.
Não reajo.
Prefiro estar absolutamente sozinha novamente.

Vou ao calabouço. 
Lá vejo as marcas da tortura na prisioneira. 
Apenas a parte quebrada daquela que entrou. 

Fujo.
Corro para a floresta escura.
Lá não há rei ou rainha.
Não há ninguém. 
Corro. 
Estou Perdida na imensidão que ronda o castelo que um dia foi meu.
Corro desesperada.
Sou inteira novamente.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Mesa posta

Então não valeu nada?

Somos resto de comida sobre a mesa,
Guardanapos amassados,
Copos usados,
bagunça no coração.

De tudo o que fizemos certo,
Doença contagiosa,
Teu desânimo engajado,
É toalha suja na mesa,
Prato quebrado no chão.

Lavar a boca,
Segurar as lágrimas, 
Sabão e esponja.  
resolverão?

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Sozinha

Precisava de ti,
Muros me impediam de ver,
Já não conseguia pensar.
Saí correndo, agitada, ansiosa.
Fizeste de minha falha, separação.
De tua expectativa, abandono.
De meu equivoco, castigo.
Precisava de ti.
Estava sem ver.
Atônita, aflita.
E ao fim, 
tu me deixaste mais sozinha.

domingo, 30 de junho de 2013

Greve

Cruzas os braços como trabalhador em greve.
Olhas para mim como se fosse eu máquina parada que já não produz aquilo que deveria.
A Máquina dos sorrisos pontuais,
Respostas exatas e sonhos diminutos.

Cruzas os braços como trabalhador em estado de greve.
Me fazes máquina. 
Já não há espontaneidade, riso, vontade. 

Cruzas os braços como trabalhador em greve.
Eu? Em estado de choque.

Ferida

Acreditou. 
o amor seria o suficiente,
Um pouco todos os dias,
Um pouco e para sempre.

Improvisar afetos era melhor que experimentar ausências,
Que o cotidiano de pequenos abandonos.

Mas o amor não ocupou os espaços, 
as feridas ficaram abertas:
Sujas, Infeccionadas.
Ali.
Para serem lembradas.




quarta-feira, 19 de junho de 2013

Ouvindo o som das ruas

Era 17 de junho e assisti as ruas serem tomadas com cartazes, garra, vida e indignação. Expressões de alívio, surpresa, felicidade. Era capaz de ver, em muitos, meu próprio rosto, há longínquos quinze anos, na Esquina Democrática de Porto Alegre, no dia em que participei de minha primeira manifestação. Nunca mais parei.

Nos últimos nove anos, tenho tido a responsabilidade de representar primeiro Porto Alegre, como vereadora, e depois o Rio Grande, como deputada federal. Tenho orgulho de militar em um partido que combateu a ditadura e que sempre esteve ao lado dos trabalhadores e do povo nas lutas sociais. Tenho orgulho de meus mandatos, pois sempre os coloquei a serviço de causas como a reforma política, os direitos humanos, a defesa dos direitos da juventude e da educação e saúde públicas.

Mas a luta, o povo na rua, as cartolinas pintadas à mão, faixas, bandeiras do Brasil enroladas no corpo, palavras de ordem, a diversidade, a beleza do que vocês fizeram - e me refiro a vocês que não caíram na armadilha da violência e que protestaram em paz! - a beleza do que vocês construíram, fez com que o Brasil parasse para escutar o gigantesco som do sonho de um País melhor, com transporte público de qualidade e preço justo e uma política melhor.

E que sonho lindo o sonho de uma política melhor, mais representativa! Qual sonho mais lindo para uma geração sonhar do que o de um país com direitos humanos, sem problemas na saúde e com educação de qualidade? Vocês representam a todos nessas lutas!

Escrevo, em mais dos que os 140 caracteres habituais do twitter, para dizer que tenho feito valer uma regra da natureza pouco usada na política: tenho uma boca e dois ouvidos.

Vocês fizeram com que todos nós parássemos para pensar. Quero ouvir muito mais o que vocês têm a dizer sobre os sonhos do Brasil do futuro.

Enquanto os ouço, também os vejo nas redes e nas ruas e renovo minha energia para a luta. Tenho certeza de que somos milhares, que queremos um Brasil mais justo. Juntos, ele é possível

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Gaga

Dar voz aos outros sempre foi mais fácil que superar a gagueira de meus próprios sentimentos.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Cacos

Tenho nas mãos as sobras que estavam nos pratos
que juntos jogamos no chão.

De longe o vidro do prato brilha.
Me vejo dividida em mil pedaços.
Inteira em cada caco.

Tenho nas mãos as sobras de nós.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Paris

O dia foi enorme, produtivo.
o sono já veio, já foi.
Ficou a saudade.
Adoro viajar.
Mas cada vez gosto mais de ficar.

domingo, 28 de abril de 2013

Bastou acender a luz para que todos os objetos do quarto perdessem o sentido.
A cama estava fora do lugar, os lençóis desajeitados, armários revirados.
No escuro era mais fácil combinar as vidas.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cemitério

Trago comigo a cicatriz de um dos tiros que disparamos contra mim.
Não a toleras.
Eu apenas flori a sepultura.
Tu?
Levas contigo um cemitério inteiro.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Náuseas

acordei com náuseas das dores que causaste
Lembrei do cheiro forte no lençol,
Dos fios de cabelo em teu carro,
da mensagem errada em meu celular.
Da palavra trocada.
Senti náuseas ao lembrar do filme no cinema,
Do CD no aparelho de som.
Da mentira descoberta,
Meus olhos vomitaram.

Quebra-cabeça


Existe um canto em teu corpo em que encaixo minha cabeça
e sinto como se a peça perdida do quebra-cabeça
- aquela que faltava para a imagem de 1200 peças -
fosse encontrada.

Existe um pedaço em ti em que deito minha cabeça e me tranqüilizo de pesos tão pesados, que Mike Tyson nenhum seria capaz de me enfrentar.

Ali me entrego para ti.
Para voltar, plena.

domingo, 21 de abril de 2013

Pressa

Acertei detalhes,
Fiz caber na bolsa de tudo um pouco,
Escova,
Passagem, telefone,
Documentos e presentes de ultima hora.
Corri desesperada,
Preciso de ti.

Fração

Do tamanho da fração do segundo
Virou a certeza que eu tinha de tudo.
Pequena,
Pequena demais.
Senti o peso de todos os problemas.
Talvez seja melhor estar sozinha hoje.
Hoje doeu demais.
Cada vez que se repete dói demais.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Das novas luas

Hoje,
Enquanto olhava em teus olhos e me fazias tão feliz,
Descobri que és como uma dessas novas luas que povoa o universo.

Quando és lua cheia,
Sorrio,
espelho nos meus olhos,
Alma multiplicada em milhares de cores,
Mosaico de felicidade.

Quando minguas,
minguamos juntos,
Mudamos de fase,
De um ciclo para outro,
Silenciamos.
Choro.
Fico pequena, reflexiva.

Se Crescente,
És a Lua do dedo na ferida
Tocas no ponto,
És lua do dedo em riste, machucas,
Cortas,
Mas és também meu, como eu, sincero olho que faísca e risca.

Se me encantas e cantas
Te olho pela primeira vez,
Amor de criança,
Um canto do corpo
Que não conhecia
Um cheiro novo,
Um sinal,
Recomeço,
Tudo novo,
De novo,
Lua nova.









domingo, 7 de abril de 2013

Estrago

ensaio a despedida.
Digo adeus em um silêncio que mutila a louca que decretaste enquanto tentava alegrar a vida, tentando fazer esquecer e partilhar. Me deste a chave de um carro que não sei dirigir. Não dirijo. mas conheço o caminho. Tudo dói antecipado. Mais uma vez só sirvo se estou forte. É assim: Quando caio, tonteio, balanço, estrago tudo.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Salto agulha

Uma frase.
Tapa na cara.
Lona.
no chão,
Vomito lágrimas que custam a sair.

O vento bate na cara,
As crianças cantam a Páscoa,
O meu erro te coloca em outro mundo, naquele mundo que me dói, que desisto de nós, que Me ata.
A freqüência comum se desfaz.
Perdemos o ritmo da dança.
Pisamos em nossos pés.
O salto agulha corta como tesoura.

A nossa dança de desfaz. Mais uma vez.

terça-feira, 26 de março de 2013

Falta

Faltam certezas,
Sorrisos largos,
telefonemas bestas.
sonhos comuns,
Promessas quaisquer,
Crenças.
Ciúmes pretéritos,
Saudades futuras.

Acidente

Embora seja dia, ainda é noite. os faróis vermelhos dos carros mandam parar. A vida me manda parar. Tu me mandas embora, mesmo pedindo para que fique.
É noite em pleno amanhecer, os faróis vermelhos nas traseiras dos carros mandam parar. Os semáforos estão fechados. Sigo.
Chamem a polícia.
Acidente.

domingo, 24 de março de 2013

Sem fé

Sou uma mulher sem fé.
Joguei fora o terço,
Na quarta, quinta, sexta vez que bateste em minha cara com as verdades que eu não queria ouvir.
A fé tem dessas coisas.
O amor tem dessas coisas!
Sobrevive com dogmas.
Verdades absolutas!
Mentiras absolutas.
As orações perderam o nexo,
Ajoelho,
concentro.
A memória não projeta nada santo, nada puro, nenhuma deusa, nenhuma reza.
As preces trazem sons das madrugadas insones, contigo, conosco, quando juntos chegamos mais perto de Deus.
Sou uma mulher sem fé.
Temos pecados demais.
E são eles que me fazem acreditar em nós dois.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Linda Elisa Lucinda

"Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças....
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução....
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse....
Ah, eu sempre quis um amor que me amasse"

terça-feira, 19 de março de 2013

Excessos

O que chamas de partes,
detalhes
é essência.
Essa sou eu.

Vês copo meio vazio.
Nunca meio cheio.

Não importa que estivesse exausta,
de pé,
arrumada,
sorrindo.
depois de cuidar de tudo.
Tatuaste a piada das malas.

Sou essa alegria que te irrita.
E te irritará saber que tu és parte dessa alegria também.

És outras lembranças
Não serás teu,
nem meu,
Nem nosso.

Não consegui ser a próxima depois de mim.
irrito antes, durante e depois.
Sobro antes, durante e depois.
Falto antes, durante e depois.

A realidade chamou.
Acordei para a vida real.
É lá que vou calar,
colar os cacos de tudo que jogamos fora por me achares tão excessiva.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Avião

"- Estou sufocada, mamãe"
"- Foi bom, bom ele ter feito isso, assim vejo bem o tipo de gente com quem estou lidando"
Escrevo pois o silêncio me angustia.
"- Estas sufocada, bonitinha? O pior é ser adulta! A gente passa a vida sufocada"
"- E não tem a mãe por perto"
"- E não tem ninguém por perto"
E o a única forma de vencer essa angústia é dizer a verdade.
"- A gente sufoca, sufoca tanto que sente até vontade de gritar!"
"- Depois de adulto? Gritar que nem criança?!"
E a verdade é que sinto uma tristeza enorme que quase me mata todos os dias.
"- sim, um grito alto de desespero."
Estou desesperada.
"-Uau. Acho que não estou sufocada, mamãe."

...

Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água...

Chico

terça-feira, 12 de março de 2013

a pior de todas

calçou os sapatos e riscou os olhos de preto. tentava confundir a cor dos olhos, a pele insone, a maquiagem. floriu o corpo de vermelho e azul, falsamente alegrando o dia, congelou o sorriso, digitou mentiras para enganar a si, aos outros, a um universo de pessoas com quem não se importa.
engoliu o leite, a saliva, trancou o choro. ficou quieta e repassou mais uma vez tudo aquilo que havia sentido.
se os símbolos contam, todo o amor de seu corpo, estava naquele prato de comida. depois de tantos dias sem dormir, permbulando, enfrentando leões, tentando ficar bonita, cozinhou para que ficasse feliz.
não entendia que esse era a fortuna, que a mulher da foto, das fotos, havia gasto. essa era a fortuna que a havia enlouquecido.
não entendia que não era a raiva que a enfurecia: era a fragilidade do amor. de ser tão feliz por que alguém estava presente.
ele bateu a porta. foi embora. como ela nunca teve coragem de ir. a olhou com raiva e disse que era a pior de todas. de todas.
calçou os sapatos, riscou os olhos de preto. confundiu a todos. sorria um riso triste. quando deu o melhor de si, foi a pior de todas.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Cora Coralina

Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

sexta-feira, 8 de março de 2013

MMM

MMM

Minha mãe me ensinou a ser a mulher que sou quando assinava seus bilhetes com três Letras M.
Sempre nos lembrava que era nossa mãe e nos amava como tal, mesmo que fossemos cinco e déssemos trabalho como cinco e chorássemos como cinco e ficássemos doente como cinco. Não há divisão no amor materno, há apenas multiplicação. Esse é, portanto, o primeiro e óbvio M.
Mas não poderia ser somente mãe se não saísse de casa antes de nos ver acordar para trabalhar. Minha mãe que durante anos foi professora de violão para criar minhas irmãs mais velhas. Minha mãe que bordou blusas para concluir o curso de direito e que levava as filhas para a faculdade. Que enfrentou o preconceito de ser "desquitada", passou no concurso e é magistrada. Assim, surgiu o segundo M, o M de seu trabalho, a magistratura.
Mas ela também, nos ensinou, o amor materno não é exclusivo como alguns ousam em bradar. Mães não devem abrir mão de ser mulheres que abrem mão de seus sonhos de mulheres e amores e desejos e batons e lápis de olho e boca. E assim, ela nos ensinou que é também um terceiro M, M de mulher.
Obrigada, Ana MMM. Por me ensinar que nós somos mulheres. Sempre 3 em 1. Muitas em uma. Nunca uma apenas.

quinta-feira, 7 de março de 2013

E Deus me fez mulher!

Y Dios me hizo mujer,
de pelo largo,
ojos,
nariz y boca de mujer.
Con curvas
y pliegues
y suaves hondonadas
y me cavó por dentro,
me hizo un taller de seres humanos.
Tejió delicadamente mis nervios
y balanceó con cuidado
el número de mis hormonas.
Compuso mi sangre
y me inyectó con ella
para que irrigara
todo mi cuerpo;
nacieron así las ideas,
los sueños,
el instinto.
Todo lo que creó suavemente
a martillazos de soplidos
y taladrazos de amor,
las mil y una cosas que me hacen mujer todos los días
por las que me levanto orgullosa
todas las mañanas
y bendigo mi sexo.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Reencontro

Com cautela subiu os três degraus da pequena escada.
Na parte de cima do armário encontrou calças, camisas, casacos.
Ao fundo, o espelho.
Sorriu.
Nunca mais ficaria tanto tempo longe de si.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Mãe

Mãe
Há algum tempo a escrevi um email. Falava de minhas angústias, dúvidas e cansaços. Ela me respondeu com parte de sua história. Naquela resposta percebi que ela continuava sendo a pessoa que mais sabia de mim (mesmo quando não falamos sobre os fatos) e que sua vida é toda cheia das respostas que busco. Naquele email ela me reafirmava a possibilidade da gente se reinventar sempre. Quanto conforto.
Minha mãe tem lá seus defeitos. Alguns - como o exagero - chegam a ser engraçados. Mas ela é cheia de coisas admiráveis. Adoro o fato dela não ser sofrenilda. A vida reserva muitas coisas boas para todos. E outras tantas ruins. Minha mãe supervaloriza as boas e menospreza as ruins. Adoro isso. Assim como adoro a coragem com que ela solenemente ignora a Opinião dos outros sobre ela e seus amores. Amores podem ser lenços e lápis coloridos de olhos ou maridos. Adoro! Adoro a almôndega dela, na versão regime (com ricota) ou na versão tradicional (fritas com salsinha). Adoro quando ela pede o seu mamá (uma taça de vinho) ou quando ela aparece toda mulambenta indo caminhar. Adoro saber que ela tem um violão no gabinete de trabalho. Adoro saber que ela juntava todo o dinheiro para fazer festa de aniversario com gelatinas em copos plásticos para um de seus cinco filhos. Adoro rir com ela do dia em que chamei os enfermeiros para a interditarem num hospital (ela estava me irritando!). Adoro chorar lembrando quando, com poucos anos, a disse que nao ia morrer daquela vez (numa das pneumonias que tive). Adoro lembrar que íamos juntas passear no Guion e achavam que nós éramos um casal. E que juntas odiamos muitos filmes. Adoro o ódio que minha mãe tem de intelectualóides. Adoro quando ela toca piano ou violão. E adoro quando vejo a isa a chamando de vovó. Adoro saber que numa simples mensagem de texto ou email, minha mãe segue me dando o maior abraço do mundo. Como quando eu ainda era criança e a esperava chorando de suas aulas na faculdade. Como quando eu me perdi e ela subiu na pedra e gritou até toda cidade saber que uma criança estava perdida. E me encontrar. Aquele abraço, daquela tarde em que me perdi com cinco anos, minha mãe me dá sempre.
Feliz aniversário mamãe. Te amo.


Há um Ano escrevi esse texto. Ele ainda diz o que sinto. Dirá para sempre.
Texto publicado em 19/02/2012

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Certeza

já pensaste que outra será a mãe dos teus filhos?
tens certeza do que estás fazendo?
Essa é a última vez que te procuro,
o último sábado,
a última chance.
Grita, desesperado.

Não tenho certeza de nada.
fala com a calma dos que já morreram quase tudo.
Mas quando eu te amava, tinha.

Faz falta

Gostas tanto de ti
que
não me precisas,
por isso,
sobro.
Sobro
porque em ti,
pra ti,
não falta nada,
e em mim,
pra mim,
falta muito.
E aí
perdemos a graça,
perdemos o tom.
E é tão bom quanto tem graça,
quando faz falta,
quanto fazemos falta,
Quando falta.
faz sentido.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Berlim

Parece que será para sempre como essa cidade bombardeada: acordar e dormir sendo reconstruída para tentar esquecer que um dia foi perfeito,
Que um dia houve uma casa para a qual voltava e perguntava como foi o dia com vontade de saber,
E contava o dia com vontade de contar como foi o dia.

Parece para sempre haverá
um muro
Um passaporte.
Um carimbo.
Um lado para se escolher,
Uma guerra para se travar.

Para que não se esqueça,
Para que não se repita,
dizem os judeus.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sempre tatuo os pontos finais em meu corpo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Sobre loucas e santas

Gritaste: "louca!"
fiquei parada.
Não entendeste nada!
Achaste que poderias humilhar sempre,
Até mesmo em público.
apenas te achei frágil,
são frágeis os que precisam ofender.

Depois,
A louca não era eu.
A louca era a que tomas por santa.
E a santa contou, envolveu, expôs, machucou quem não devia:
Escândalo, vulgaridade, baixaria.
Não lembras.
Nunca lembras.
Errei novamente, permiti.
E a santa pautou a vida.

pauta a tua vida.
Pobre santa!
Com seu manto,
Abandonada,
Sofrida.
Envelhecida.

Equivocadamente aceitei dividir a mesa
Com a santidade que é tua.
Não minha.
Jamais deveria ter ido ao culto.
Por que fui?

Depois, acreditavas que podias qualquer coisa.
Oraste por tua fé em Meu altar.
Não te pedi para sair da igreja.
Não sei o porquê.
Faltou fé.
Faltou força.

Agora, Cansada disso tudo.
Chutei a imagem da santa.
Oca.
Recheada de ouro,
Como eram aquelas carregadas pelos portugueses nos idos de 1500!
Santa do pau oco.

Tu, assustado,
Decidiste punir quem chutou.
Sempre é mais simples.

Isso. Tira o sofá da sala.

Quantos sofás já trocaste por essa santa?







Bingo.

Tu estás certo,
Coberto de razão,
Como eram cobertos de chocolate
os bolos das festas infantis.
Eu não deveria ter feito
Nada daquilo..
Não.
Jamais poderia ter escrito tudo o que sentia.
Era um dia tão importante para ti!
Como a véspera, o Natal, o ano-novo e todos os últimos dias de sempre...
Como me dei o direito de existir num
Mundo em que apenas tu existes?
Afinal,
Se não suporto o peso de viver no teu mundo...
O melhor é sair dele.
Bingo.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Cansada

Intoxicação por chumbo ou mercúrio,
sei lá.
Dessas que não acontecem em um único dia.
Dizem que as pessoas passam anos expostas até adoecerem.
Não é a doença de um fato.
É a doença de um todo.

A tortura da gota d'água.
Aquela que trancam alguém numa peça.
Sem choques ou pau de arara.
E a enlouquecem com o barulho constante, regular, inalterável da gota de água.

Assim fizeste comigo.

Solidão

Desistimos,
um por um de ti.
Desistemos de tocar,
de falar.

Percebo que foi ela
quem cansou desse olhar
que julga,
obliquo.
Foi ela quem,
Por fim,
mesmo sofrendo,
bateu a porta.
Cansada da grosseria,
"do saber tudo".

rei-sol,
centro do mundo,
mundo que gira ao redor.

Não foste tu quem escolheu a solidão,
Percebo,
Quase tardiamente.
Foi ela quem te escolheu.
E temo que seja a única que não canse de ti.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Tempo

Podes dar tempo ao tempo?
Gritas, como quem é o senhor de uma razão antiga.
Sim,
Tens um tempo infinito.
O tempo de tua vida inteira.
Não da minha.

Entendo hoje a pergunta feita há algum tempo atrás.
Não tenho muito o que fazer aqui.
Não desfizeste o armário,
Manténs o porta-retrato,
Os papéis,
Lençol e documentos.

Queres tudo no teu tempo!
Gritas, novamente dono da razão antiga, mesmo que eu apenas falasse, como há muito não o fazia.
Não. Não quero nada no meu tempo.
Eu apenas quero viver a vida no tempo presente.

Sem o passado de ninguém na minha volta.







segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Oco

Naquela noite
- Longe -
um filme de terror virava realidade.

Na porta de um edifício.
Roupas de bebê eram postas no lixo.
Brancas, sonhadas, Cortadas.

Naquela noite ele desejou que fosse oco o útero dela como oco, dizia, era o coracão.

Naquela noite, ele comia peixe, via a lua, ria da vida.

Na manhã seguinte,

mães procuravam - desesperadas - aos filhos.

Ela levava o filho dela.
Dele.
A mãe dele.
Sentiam medo.

Ela sentia medo.

Oco.
Não tardou ao ouvir o som.

O coracão oco.
Dele.


Alma

Amanhece.

Sinto o corpo que é só meu e agradeço o gosto Salgado que escorre de meus olhos.

Meses atrás, Quando a pele começou a cair, assustei!
Corri para tirar os espelhos da casa.

Hoje, foram tantas as mutações pelas quais passei que já não me espanto.

A alma não reflete em espelho nenhum. Às vezes, machucada, sangra pelos olhos.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Venceste

Quem não responde a uma carta de amor,
Quem deixa o eu te amo no ar,
Quem não perdoa o erro - que também era seu - e faz chorar,
Não quer mais o brilho no olhar,
O espontâneo querer,
O cuidar gratuito.
Quem silencia orgulhosamente,
Quer ser livre.

Ok.
You win.
Me voy.
Adiós.




Não creio

Acreditei que entre nós as coisas fizessem sentido.

Acreditei, de verdade.

foram tantas vezes que tu falaste o que eu pensava,
Tantas vezes que marcamos cinco pontos no "stop",
Tantas vezes que a gente pediu a mesma comida,
Quis ver o mesmo filme,
Brigou a mesma briga
que acreditei que entre nós as coisas fizessem sentido.

porque um dia escrevi um poema sobre uma campainha e tu entendeste!
disseste que estavas do meu lado da porta.

O que fazer?
sou mesmo assim.

acredito que posso mudar o mundo,
Embora tu aches que não consiga mudar a mim mesma...

Acredito em sorrisos verdadeiros,
Embora, às vezes, eu mesma sorria apenas para trancar o choro.

Ah! Quantas fotos com sorrisos que trancam o choro já saíram em capas de jornais?

Um dia, mais cedo ou mais tarde, o sorriso voltará a ser verdadeiro.
O mundo terá mudado.
E talvez eu mude também.
acredito.

Até lá,
Marco dez pontos no stop,
Nem penso para não me perder de mim,
Não brigo,
Não como,
Não creio.
Escrevo.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

Teu silêncio

No primeiro dia,
teu silêncio me fez vomitar.
Chorei por um dia e uma noite.
Contei os segundos, os minutos.
dormi e acordei sem acreditar que ainda estavas quieto,
que me mantinhas no cativeiro,
Desvendei "o segredo de teus olhos".

Lembrei de antes,
do que te escrevi,
Do pedido de desculpas,
Do choro compulsivo,
Da mensagem sem Resposta.
Da resposta em que tu me empurravas do precipício,
Com a maldade das palavras:
"Estas doente".
Lembrei que naquele dia, gritando,
apaguei tuas fotos,
Teus rastros,
Que esfreguei a pele,
para tirar aquilo que de ti está tatuado em mim.

No segundo dia,
Chorei, escrevi, escrevi, expliquei, me expliquei, me expus, desvendei, fiquei nua.
Continuaste quieto.
Disse que te amava.
Tu?
Decidiste pegar a faca e cortar fino,
Parte por parte de tudo o que sinto por ti.

Depois,
Senti vergonha de mim.
De ter sentido isso tudo.
Agora,
Aprendi que amor demais não é problema.
Problema é amor de menos.

E de amor de menos, eu, ao menos, não sofro.




Nada

Queria que sentisses raiva de mim,
Aquela raiva que sentimos quando somos traídos.
A raiva que nos faz, por uma fração de segundos,
sermos capazes de apertar o gatilho, tomar o veneno,
chegarmos à júri popular.

Podias talvez sentir nojo,
O nojo de imaginar teres tocado na pele suja de um suor que não era o teu.
O Nojo do cheiro de cigarro impregnado na roupa, nojo do sorriso dado para outra pessoa fotografar.

Ou saudade.
Falta da presença constante,
Moribunda,
Saudade Do olhar que te segue,
admira e deseja.
Podias sentir saudade do abraço, do cheiro, de qualquer coisa.

Mas não sentes Nada.
Nada disso.
és indiferente.
Não sentes
Raiva,
Nojo,
Saudade.
Não sentes nada.
Nada.



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

De mais nada.

Nada.
Não precisas de mais nada, dizes.
Machucas,
Feito fagulha,
Pedaço de Madeira miúda,
Doída,
Faca que mutila,
Papel que corta ardido,
Dizes que não precisas de mais nada.
Mostras teu gosto amargo da vingança,
Apenas pra me ver no canto,
Feito bicho,
Acuado,
Sangrando,
Gemendo,
Arrependida.

Muito.
Preciso de muito.
Preciso de braços.
Preciso de abraços.
Calor,
Amor,
Vida.

Aeroporto

Desembarquei e não me esperavas no aeroporto como tantas outras vezes.
Desci acompanhada dos meus medos que me deixaram sozinha.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Atenção ao diferente

Um dia,
Num daquela dias que parecem ter saído de um filme
ou da vida de um personagem de um livro,
ou mesmo de uma outra encarnação nossa,
um dia li sobre relacionamentos!
Vejam só (acho isso tão vazio...!)
Queria muito ressuscitar algo que já estava morto.

Li pela primeira vez expressões que me socaram a boca do estômago: "icebergue" e "atenção".

Atenção ao diferente,
aquilo que julgamos pouco importante e pode ser central para o outro,
Atenção ao detalhe que pode fazer ser para sempre,
atenção ao bom dia,
atenção ao não fazer de conta.
Atenção ao que é drama para um e
para outro vida,
morte e sentido.
Sem a atenção?
enormes blocos de gelo entre as pessoas.
Icebergue.
Palavras não ditas.
Respostas grosseiras.
Incompreensões.
Pressas.
Egoísmos.
Diferentes traições - não as físicas - as vezes essas são as menos doloridas!

Percebi que não havia sido atenta.
Esqueci do livro.
Achei que fosse para sempre.

Hoje acordei com o livro perto da
Cama.

Paz

O precipício que me atirei era grande, grande, Tão grande que levei muitos anos para voltar a ver luz.
Depois dele, tomei uma decisão.
Pulo apenas poças d'água. Algumas maiores, é verdade.
Mas o máximo que molho é a barra da calça.
Porque insistes que me atires de novo?
Eu quero paz. Para mim, paz é o verdadeiro nome do amor.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Essa noite

Não queria passar essa noite sozinha.
Não pela enorme lua cheia que enfeita o céu estrelado da cidade que é nossa.
A lua que se parece com um dos balões surpresa amarelos
das festas de aniversário mais felizes de minha infância.

Não queria passar essa noite sozinha.
Não por causa do tamanho da cama que é gigante como a solidão de alguns dias em que passo rodeada de gente.

tu não me perguntaste o porquê. achaste que era por causa dessas coisas que nós dois temos,
que não entendes,
que não entendo também.
Esses silêncios agudos,
esses rompantes grosseiros.

Não queria passar essa noite sozinha
queria a cama cheia,
queria a lua cheia,
A lembrança dos balões surpresa,
Para não lembrar de como era a vida antes de existirmos.
Para não lembrar que hoje é uma noite particularmente triste.

Amor celular

Era um amor com detalhes menores que as teclas dos antigos telefones celulares:
três letras em cada!
ABC DEF GHI
Era como um abraço apertado,
Um excesso de zelo
que não existe mais.
Hoje é cada letra num canto,
Cada um na sua,
Até os acentos tem seus espaços separados.
amores modernos,
Que funcionam apenas com o toque,
Descartáveis como celulares,
Trocados a cada problema,
A mim não interessam mais.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Tua/minha

Eu sou o amor da tua vida, repetes com a voz doce de quem encanta multidões.
Minutos depois surpreendes com palavras cortantes, frases doídas como podem ser os poemas escritos por quem foi ferido.
Então me lembro do que disseste. Nos conhecemos a tempo de seres o amor de minha vida. E também Tarde demais.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Cebola

Para.
Pega a faca, a tábua.
Abre a torneira e lava.
Descasca a cebola.
Sim.
É uma cebola.
São muitas as camadas.
Mas se não pegares a faca agora,
a cebola não será descascada nunca.
Esta na hora de mudares a pele que cobre o teu corpo e que te faz tão apegado as coisas que já deveriam ter ido embora, junto com as cascas de cebolas.
Pega a faca.
Não, por favor.
nem me peça.
Eu não posso descascar a cebola por ti.

Vinicius do dia de hoje


Canção de enganar tristeza

Vinicius de Moraes , Baden Powell
Se a tristeza um dia
Te encontrar triste sozinho
Trata dela bem
Porque a tristeza quer carinho
E fala sobre a beleza
Com tanta delicadeza
Por não ter nenhum carinho
Que ela só existe
Por não ter nenhum carinho
E dá-lhe um amor tão lindo
Que quando ela se for indo
Ela vá contente
De ter tido o teu carinho

Presença

Sinto saudade
do jeito que me olhavas:
Como se a beleza infinita de todas as mulheres coubesse em meu sorriso.
Me olhavas
e me fazias crer na força das flores que nascem entre pedras,
na doçura do mel das abelhas que ferem, na proteção desesperada dos animais selvagens.
Assim me amavas.
Assim me olhavas.

Lembro dos planos que fazíamos:
infantis e ingênuos.
Felizes para sempre,
sempre,
todos os dias,
ao acordar e dormir,
numa casa branca de Madeira
com as janelas e portas azuis
eu a havia sonhado e tu topaste realizar.

Conheço o rosto dos filhos que não tivemos e sei como são as praias em que eles correram peladinhos no verão dos que anos que não aconteceram.


Sinto saudade do jeito que me olhavas.
Me fazias acreditar no amor.
Mesmo quando eu não te amava,
Eu contava contigo.
E isso bastava para seguir em frente.
Sinto saudade.

Vinicius do dia

Brigas nunca mais

Chegou, sorriu, venceu, depois chorou
Então fui eu quem consolou sua tristeza
Na certeza de que o amor tem dessas fases más
E é bom para fazer as pazes, mas
Depois fui eu quem dela precisou
E ela então me socorreu
E o nosso amor mostrou que veio pra ficar
Mais uma vez por toda vida
Bom é mesmo amar em paz
Brigas nunca mais

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Vida

Depois de tanto tempo
Descobri parte de teu braço
senti o cheiro
Toquei a boca
Que havíamos batido antes
Tudo o que é possível bater
E me vi capaz de voar
cheia de um sentimento novo


domingo, 20 de janeiro de 2013

Vinicius do dia

A vã pergunta

Esta jovem pensativa, de olhos cor de mel e de longas pestanas penumbrosas
Que está sentada junto àquele jovem triste de largos ombros e rosto magro
É ela a amada dele e é ele o amado dela e é a vida a sombra trágica dos seus gestos?
Este trem veloz cheio de homens indiferentes e mulheres cansadas e crianças dormindo
Que atravessa esta paisagem desolada de árvores esparsas em montes descarnados
É ele o movimento e é ela a fuga e são eles o destino fugitivo das coisas?
Que dizem os lábios murmurantes dele aos olhos desesperados dela?
Que pronunciam os lábios desesperados dela aos olhos lacrimejantes dele?
Que pedem os olhos lacrimejantes dele à paisagem fugindo?
Não são eles apenas uma só mocidade para o tempo e um só tempo para a eternidade?
Não são seus sonhos um só impulso para o amor e os seus suspiros um só anseio para a pureza?
Por que este transtorno de faces e esta consumição de olhares como para nunca mais?
Não é um casto beijo isso que bóia aos lábios dele como um excedimento da sua alma?
Não é uma carícia isso que freme nas mãos dela como um arroubo da sua inocência ?
Por que os sinos plangendo do fundo das consolações como as vozes de aviso dos faróis perdidos?
É bem o amor essa insatisfação das esperanças?

sábado, 19 de janeiro de 2013

Vinicius do dia

A miragem

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste - tua sombra sem carne me acompanha
Como o tédio da última volúpia.
Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade…
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.

Poesia

Chau número 3 - Benedetti

Te dejo con tu vida
tu trabajo
tu gente
con tus puestas de sol
y tus amaneceres.

Sembrando tu confianza
te dejo junto al mundo
derrotando imposibles
segura sin seguro.

Te dejo frente al mar
descifrándote sola
sin mi pregunta a ciegas
sin mi respuesta rota.

Te dejo sin mis dudas
pobres y malheridas
sin mis inmadureces
sin mi veteranía.

Pero tampoco creas
a pie juntillas todo
no creas nunca creas
este falso abandono.

Estaré donde menos
lo esperes
por ejemplo
en un árbol añoso
de oscuros cabeceos.

Estaré en un lejano
horizonte sin horas
en la huella del tacto
en tu sombra y mi sombra.

Estaré repartido
en cuatro o cinco pibes
de esos que vos mirás
y enseguida te siguen.

Y ojalá pueda estar
de tu sueño en la red
esperando tus ojos
y mirándote.


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Afinação

Quero um violão com afinação comum,
Com suas seis cordas.
Andar de mãos dadas,
Dormir abraçado,
Jantar depois do cinema.

Quero a simplicidade de um sorriso,
Um beijo no rosto,
Um carinho qualquer,
Um plano comum.
Eu quero apenas um violão com o som conhecido.



Esgoto

Abri o ralo.
deixaste escapar
o projeto daquilo que tentamos ser.
Nós dois.
Divididos em cubas sujos.
Cheios de louças de outras vidas.
Passado
Transbordamos emoções que não são nossas.
Esgoto.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Vinicius do dia

Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.



Nova York, 1950.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Vinicius do dia

Medo de amar

Petrópolis
O céu está parado, não conta nenhum segredo
A estrada está parada, não leva a nenhum lugar
A areia do tempo escorre de entre meus dedos
Ai que medo de amar!

O sol põe em relevo todas as coisas que não pensam
Entre elas e eu, que imenso abismo secular...
As pessoas passam, não ouvem os gritos do meu silêncio
Ai que medo de amar!

Uma mulher me olha, em seu olhar há tanto enlevo
Tanta promessa de amor, tanto carinho para dar
Eu me ponho a soluçar por dentro, meu rosto está seco
Ai que medo de amar!

Dão-me uma rosa, aspiro fundo em seu recesso
E parto a cantar canções, sou um patético jogral
Mas viver me dói tanto! e eu hesito, estremeço...
Ai que medo de amar!

E assim me encontro: entro em crepúsculo, entardeço
Sou como a última sombra se estendendo sobre o mar
Ah, amor, meu tormento!... como por ti padeço...
Ai que medo de amar!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Vinicius do dia

Epitáfio

Oxford
Aqui jaz o Sol
Que criou a aurora
E deu a luz ao dia
E apascentou a tarde

O mágico pastor
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas
E as despetalou.

Aqui jaz o Sol
O andrógino meigo
E violento, que

Possuiu a forma
De todas as mulheres
E morreu no mar.



Oxford, 1939.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Encontrei o eu te amo errado 2

Encontrei O eu te amo errado em cada dente de meu sorriso aberto, de minha gargalhada. Em cada poesia recitada, música cantada ou boca alimentada.

Encontrei o eu te amo errado em cada tentativa de ser feliz. Em cada momento friamente pisoteado por quem não compartilha sonhos com o presente. Em mãos que estão dadas com outras mãos que traem e batem na cara.

Encontrei o eu te amo errado nas brincadeiras grosseiras,
na indiferença certeira, na cara de nojo, no defeito apontado, no abraço não dado.

Encontrei o eu te amo errado em cada dia que não foste feliz, apenas por não teres quem desejas ao teu lado.
Cada mensagem carinhosamente trocada no celular, com o sorriso constrangido de quem traí com o passado, funcionou como um bofetão bem dado. O eu te amo errado foi um cuspe na cara de quem tentou acertar.

Um dia

Um dia, talvez, tudo faça sentido.
Um dia.
Talvez possa achar graça do tempo perdido em estado de meditação permanente com nossos silêncios mútuos.
Talvez faça sentido a dor que surge com a desesperança, com o olhar repleto de frieza e indiferença.
Talvez seja possível voltar no tempo, escolher certo, não mudar o rumo, não pegar a estrada desconhecida.
Um dia talvez faça sentido. Nesse dia não teremos mais nada para conversar.
Talvez chegue logo.
Tomara.

Família

A família feliz vai ao cinema.
Ali esquece traições e loucuras.
A família feliz sai pra jantar, vê TV,
Diz "eu te amo" e divide a casa. Mesmo quando há abandono e mentiras sedutoras.
A família de sexo, mentiras e videotape é sempre uma escolha mais segura do que ser feliz de verdade.

Para mim? Sapos

Voltei ao lugar onde foste loira,
King kong, personagens de filmes que nos fizeram rir da vida que andava sem graça.

Voltei ao lugar onde foste príncipe,
O pequeno príncipe,
Delicado e encantador,
Foste "para sempre",
Sem perder a ternura.

Voltei ao lugar onde a fumaça encheu a casa,
nos encheu de vida,
Nos jogou pra frente.

Hoje voltei ao lugar em que depositei minha esperança.
Não precisei dormir.
Acordamos sapos.

Vinicius de hoje

Soneto da madrugada

Pensar que já vivi à sombra escura
Desse ideal de dor, triste ideal
Que acima das paixões do bem e do mal
Colocava a paixão da criatura!

Pensar que essa paixão, flor de amargura
Foi uma desventura sem igual
Uma incapacidade de ternura
Nunca simples e nunca natural!

Pensar que a vida se houve de tal sorte
Com tal zelo e tão íntimo sentido
Que em mim a vida renasceu da morte!

Hoje me libertei, povo oprimido
E por ti viverei meu ódio forte
Nesse misterioso amor perdido.

A carta

Coloco a carta no correio.
Sou despedaçada pelo caminhão que vem, agressivo como apenas caminhões podem ser.
Não choras minha morte.
Tarde demais, recebes minha declaração de felicidade.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Vinicius do dia de hoje

Introspecção

Rio de Janeiro
Nuvens lentas passavam
Quando eu olhei o céu.
Eu senti na minha alma a dor do céu
Que nunca poderá ser sempre calmo.

Quando eu olhei a árvore perdida
Não vi ninhos nem pássaros.
Eu senti na minha alma a dor da árvore
Esgalhada e sozinha
Sem pássaros cantando nos seus ninhos.

Quando eu olhei minha alma
Vi a treva.
Eu senti no céu e na árvore perdida
A dor da treva que vive na minha alma.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Ônibus

Cada vez que embarquei
Fui traída pela memória curta demais.
Letras, bilhetes, cartas e fotos fazem de todas as paisagens locais impróprios para o banho.
Águas turvas, sujas ou poluídas por ausências.
Dá tempo para lembrar que cortas como papel,
Ardes como pimenta no olho,
cospes na cara como quem
Folheia o jornal.
percebo que esse papo
Cansa como viajar apertado no carro.
Desço,
Prefiro enfrentar a solidão do ônibus lotado de estranhos.

Vinicius do dia

História de alma

Meia-noite. Frio. Frio em tudo
E mais frio que em tudo, frio na Alma
A Noite grande e aberta... a Alma grande e aberta...
Infinitamente frias...

No alto a noite má seguia a Alma que vagava
Enregelada e nua entre todas as almas
Seguia a Alma presa
Presa por todos os lados
A Alma caminhava e a noite caminhava com ela
A Alma fugia e a noite perseguia a Alma
E a Alma parava. Então a noite também parava
E mandava um frio mais frio do que a Alma

E a Alma já fria tornava a caminhar
E a noite vinha e perseguia a Alma
E a Alma parava... e a Alma parava...
E chorando ajoelhada pedia perdão...

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Congelado

A vida inteira sonhei olhar pra ti,
Te ter por perto,
Cheirar teu cheiro,
Descobrir teu riso.

A vida inteira sonhei tua voz.
teus passos,
abraçar dormindo,
Chamar pelo nome.

Congelo tua imagem
Por hora, Esqueço
coloco o sonho no freezer
Para poder te ter para sempre


Pablo Milanez


Yo no te pido que me bajes
una estrella azul
sólo te pido que mi espacio
llenes con tu luz.

Yo no te pido que me firmes
diez papeles grises para amar
sólo te pido que tú quieras
las palomas que suelo mirar.

De lo pasado no lo voy a negar
el futuro algún día llegará
y del presente
qué le importa a la gente
si es que siempre van a hablar.

Sigue llenando este minuto
de razones para respirar
no me complazcas no te niegues
no hables por hablar.

Yo no te pido que me bajes
una estrella azul
sólo te pido que mi espacio
llenes con tu luz.

Soneto do amor perdido



Onde estão os teus olhos - onde estão? - Oh - milagre de amor que escorres dos meus olhos!
Na água iluminada dos rios da lua eu os vi descendo e passando e fugindo
Iam como as estrelas da manhã. Vem, eu quero os teus olhos, meu amor!
A vida... sombras que vão e sombras que vêm vindo
O tempo... sombras de perto e sombras na distância - vem, o tempo quer a vida!
Onde ocultar minha dor se os teus olhos estão dormindo?

Onde está tua face? Eu a senti pousada sobre a aurora
Teu brando cortinado ao vento leve era como asas fremindo
Teu sopro tênue era como um pedido de silêncio - oh, a tua face iluminada!
Em mim, mãos se amargurando, olhos no céu olhando, ouvidos no ar ouvindo
Na minha face o orvalho da madrugada atroz, na minha boca o orvalho do teu nome!
Vem... Os velhos lírios estão fanando, os lírios novos estão florindo...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Tua mão

Podes me dar tua mão enquanto caminho pelos cantos escuros de minha alma?
Não me conheço toda, ainda me surpreendo com as cartas guardadas no fundo do baú de minha casa.
Gosto de ir até lá: olho o escuro buraco e tonteio. Prestes a saltar, pego em tua mão.
E assim, sigo andando.

Vinicius do dia

Sem título

Meu coração se perde de carinho
Por ti, ó pássaro oculto na noite!
Tua voz pressaga é também uma elegia
Sem mistérío; a morte de todas as coisas.

Vive no teu soluço de amor, mas o teu canto
É na realidade consolo e contentamento.

As palavras que antes escutei
Eram apenas música e traziam esquecimento
Tu me levas à poesia, ave pousada na treva.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Tua

Juro.
Re juro.
Por deus,
por ti, por mim,
por nós, vós, eles.
Não ver
Saber
Constar
Sentir.
Quero que morra
Que matem
Que suma,
Desapareça,
Voe para longe.
Que saia de mim,
Que saia de ti,
Que não conste.
Quero que fique abaixo da terra,
Que guarde as palavras no estômago,
Que queime as fotos de desgosto.
Que interprete mãos e veja a própria solidão.
Juro.
Re juro.
Por deus.
Por mim, por ti,
Por nós, vós, eles.
Juro tentar esquecer.

Vinicius do dia

Revolta

Rio de Janeiro
Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona o teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.

Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.

De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão, águia audaz, que a noite é fria.

Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

E Deus me fez mulher


Y Dios me Hizo Mujer - gioconda Belli (escritora nicaragüense que amo)

Y Dios me hizo mujer,
de pelo largo,
ojos,
nariz y boca de mujer.
Con curvas
y pliegues
y suaves hondonadas
y me cavó por dentro,
me hizo un taller de seres humanos.
Tejió delicadamente mis nervios
y balanceó con cuidado
el número de mis hormonas.
Compuso mi sangre
y me inyectó con ella
para que irrigara
todo mi cuerpo;
nacieron así las ideas,
los sueños,
el instinto.
Todo lo que creó suavemente
a martillazos de soplidos
y taladrazos de amor,
las mil y una cosas que me hacen mujer todos los días
por las que me levanto orgullosa
todas las mañanas
y bendigo mi sexo.

Na paz

Na guerra,
talvez tivéssemos nos divertido juntos:
armas em punho,
Uniformes,
Nossos corações explodindo como bombas.

Teria gostado de conversar sobre amenidades:
Nada de campo minado ou
planos abortados.
Sem supermercado ou escova de dentes sujando a pia.

Na guerra?
Contigo Talvez tivesse sofrido menos nas tardes em que morri de dor.
Talvez não.
Talvez achasse graças de o pegar na guerra tambem.

Mas tu me encontraste cansada.
Já com as cicatrizes desenhando o corpo e Com a Alma cravada de tiros.

Na guerra? Talvez tivesse te amado.
Mas me deste a mão aqui, num canto de paz.
entreguei minhas armas e decidi ser feliz contigo.

Sou muitas

Sou muitas.
E todas as minhas versões gargalham enlouquecidamente de minha própria cara.

Escuto o som dos medos que tive,
Das crenças que abandonei
Vejo Lugares em que me encontrei
e acho graça.

Os Fracassos estonteantes,
As Paixões avassaladoras,
Meus Dramas mexicanos
E exageros analucianos*
Tudo desperta essa vontade sem controle de debochar.

Escuto meu som
infinito como o barulho do mar.
Agora Não há mais nada, nada, nada capaz de tirar o sorriso de meu rosto.





*ana Lucia é minha mãe.

Vinicius do dia


Eu nasci marcado pela paixão

Eu nasci marcado pela Paixão, Pedro, meu filho...
E porque por ela nasci marcado, a ela me entreguei sem remissão desde menino, e o primeiro gesto que fiz foi buscar um seio de Mulher...


Decidi sofrer pelo que
fizeste
Foste
no passado.
Me perdi no caminho de volta.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Sobre mim?!

Alta tensão - Clarice

Eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
dos doces mais azedos
das bebidas mais fortes
das músicas mais estranhas
das frutas mais verdes
das ironias mais finas
das conversas mais lúdicas
das dores mais amenas


E tenho apetites vorazes
por saudades profundas
por causas perdidas
por distâncias inalcançáveis


Eu sonho
os delírios mais soltos
os sonhos mais loucos que há
e sinto uns desejos vulgares
navegar por uns mares de lá


Você pode até me empurrar de um penhasco
que eu vou dizer:
"E daí? Eu adoro voar…!!!"

Vinicius do dia

A medida do abismo

Não é o grito
A medida do abismo?
Por isso eu grito
Sempre que cismo
Sobre tua vida
Tão louca e errada...
- Que grito inútil!
- Que imenso nada!

domingo, 6 de janeiro de 2013

Poema do dia

A miragem - Vinicius de moraes

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste - tua sombra sem carne me acompanha
Como o tédio da última volúpia.
Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade…
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Vida real

Apago a carta que te escrevi,
Tenho cada letra dela tatuada em minha a memória.

Até a inspiração já acabou

Falta

Falta Olhar no olho
Entender a frase
Sorrir com gosto
Do que achas graça

Falta gostar dos defeitos
E torna-los carinhos
Falta admirar, entender.
Falta respeito.

amor.
Faz Falta.

Vinicius de hoje


Mensagem à Poesia

Vinicius de Moraes


Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.

Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso
reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem... – que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.

Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Livre

sou
Minha
juíza
olhar
repressor
algoz
Comigo?
Nao mais.

Sou
livre,
Eu,
corpo,
grito,
poesia,
vida.

Para viver um grande amor - Vinicius

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Duas vidas

morreste e
Te Descubro
em outra vida
Histórias
Fotografias
Poemas

Desconhecia
O filho gerado
risos que deste
As Cores na casa
A mulher que amavas

em outro mundo
peças de teu quebra-cabeças
Minha vida pelo avesso

Foste dois.
Que importa?
Já morreste.

---------
Assistam "as viúvas". Filme argentino engraçado e que nos faz, ao fim, pensar demais na nossa vida.
Encho a barriga de melancia
Para esvaziar o coração das mágoas

Tua boneca

Boneca de plástico,
Sorriso estático,
Face imóvel

Boneca de cera,
Coracão de lata,
Ferrugem nas veias.

Boneca inflável
Sangue frio
Hormônios a mil

Aluguel mensal
Per
Feita
pra ti


O haver - versão de 1962

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

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Contribuição de hoje ao centenário do poeta Vinicius de moraes

Volto ao mundo

Volta ao mundo
Pés no chão
conselhos
sol no rosto
textura
de passado
remoto
controle da vida

Volto ao mundo
Casa
Todos certos
Viajei
Tudo certo
Recomeço
Sem razão
Sem vontade
Cem desculpas

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Pedras

Caminhas sobre as pedras
que carreguei sozinha até aqui,
Palavra,
dedo em riste,
olho que espuma.
O caminho que pisas
É tudo o que trouxe comigo,
sou eu mesma.

Não pedi tua ajuda para carregar as pedras.
Pedi tua mão para aproveitar o luar sobre a estrada que construí.

Uma pena.
Trazias apenas daquelas pedras para atirar.
Não conseguimos junta-las as minhas e espichar o caminho.
E tuas mãos seguiram ocupadas para pegarem a minha.
E teus pés seguiram pisando forte em minha história.








O vizinho

O vizinho toca sax
Acompanho
Agitada.

O fim parece o começo:
Ilustres desconhecidos
A mesma viagem,
Recados,
triangulações,
Silêncios.

O fim parece o começo:
Te admiro,
Pequeno príncipe,
Gosto muito,
Quero muito sentir algo.

O vizinho toca sax
Há 24 horas
acompanha o pranto.

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

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Centenário do grande Vinicius de Moraes.
Lancei um desafio através do twitter para que cada dia publicássemos uma de suas poesias.
Essa é minha contribuição de hoje.