sábado, 1 de maio de 2010

1o de maio com Lila Ripoll

Nossa poetisa, comunista, apaixonada. Ela pode homenagear os trabalhadores e as trabalhadoras muito melhor do que eu neste 1o de maio. E melhor: nos anima para seguir lutando.

FESTEJO

Foi num primeiro de maio,
na cidade de Rio Grande.
O céu estava sem nuvens.
O mês das flores nascia.
O vento lembrava as flores
no perfume que trazia.
O povo reuniu-se em festa
pois a festa era do povo.
Crianças, homens, mulheres,
o povo unido cantava.
O povo simples da rua,
comovido se abraçava.
O mês das flores nascia
e o vento lembrava as flores
no perfume que trazia.
Foi num primeiro de maio,
de pensamento profundo.
“Uni-vos, ó proletários,
ó povos de todo o mundo”.
Unido estava em Rio Grande,
o povo simples cantando,
No peito de cada homem
uma esperança se abria.
Em qualquer parte do mundo
uma estrela respondia.
Era primeiro de maio
dia da festa do mundo.
O velho parque esquecido
tinha um ar claro e risonho.
Germinava no seu peito
o calor de um novo sonho.
Misturavam-se cantigas,
frases, risos, alegrias.
No peito de cada homem,
um clarão aparecia.
Surgiam jogos e prendas,
hinos subiam ao ar.
Em cada grupo uma história
alguém queria contar.
A tecelã Angelina,
vivaz e alegre cantava,
Recchia - o líder operário
ria e confraternizava.
Era primeiro de maio,
dia de festa do mundo.
Foi quando a voz calma e séria,
no velho parque vibrou,
e um convite alvissareiro
o povo unido escutou:
“Amigos, a rua é larga.
Unidos vamos partir.
A nossa ‘União Operária’
nós hoje vamos abrir.”
No peito de cada homem
Um clarão aparecia.
Em qualquer parte do mundo,
uma estrela respondia.
“A casa de nossa classe,
fechada por que razão?
Amigos, vamos à rua,
e as portas se abrirão.”
A onda humana agitou-se,
Cresceu em intensidade .
Em coro as vozes subiram
clamando por liberdade.
“Á rua,à rua, sem medo,
unidos, vamos marchar.”
Foi como se uma rajada
De vento encrespasse o mar.

(Primeiro de Maio, 1954)


PASSEATA

Sem demora, a passeata organizou-se.
Rompeu-se a indecisão.
Um sopro audaz passava em cada rosto,
onde os olhos falavam com estrelas,
na densa escuridão.
Espontâneas as filas se formaram
e ergueram-se a cantar.
Nas mãos erguidas, lenços tremularam,
impacientes também para avançar.
- Quem vai na frente? Quem? disseram vozes.
E três vultos surgiram, decididos.
Eram pedreiros uns. Outros portuários.
- Recchia, Osvaldino, Honório, Euclides Pinto -
e também Angelina, a tecelã.
E a passeata iniciou-se: “Adiante, amigos
Avancemos sem medo. A rua é nossa.”
Ouviu-se a voz sonoramente clara,
indicando o caminho a percorrer.
Decididos, os passos ritmados
marcaram os primeiros movimentos.
Punhos fechados,
lenços agitados,
e o vento acompanha o movimento
da marcha triunfante.
“A Bandeira na frente, companheiros”,
e Angelina surgia, erguida fina,
tocada pela luz da tarde mansa,
como um vivo estandarte a caminhar.
Os passos ritmados,
batiam sem cessar.
“Viva a classe operária. Salve. Viva!”
Era o coro das vozes a clamar.
Como um pássaro verde, muito verde,
a Bandeira voava,
revoava,
por sobre o mar humano a se espraiar.
Flutuavam lenços, mãos gesticulavam.
Vozes subiam animando a marcha.
E as filas andavam sem parar.
A “União” já estava quase a aparecer
e os punhos se fechavam.
Um sopro audaz passava em cada rosto.,
onde os olhos brilhavam.
“Viva a ‘União’, companheiros, viva o povo”.
E a voz interronmpeu seu entusiasmo
e um silêncio caiu, inesperado.
E logo uma palavra subiu clara,
atravessando homens e mulheres,
como um fino punhal.
“A polícia, a polícia, companheiros”.
E houve um leve arquejar. E alguém falou:
“Avançar, companheiros, avançar.”
Era Recchia investindo desarmado
E a onda contida transbordou.

(Primeiro de Maio, 1954)

ANGELINA

A massa resiste,
rebelde,
indomável,
erguendo muralhas,
de peitos e braços,
às frias espadas,
aos altos fuzis.
A rua tranquila,
tão cheia de cantos,
encheu-se de cinza,
de sangue e de pó.
O povo resiste
e os tiros aumentam.
Protestam as vozes
Num vivo clamor.
Respondem espadas,
fuzis apontados,
fuzis metralhando.
A massa recua,
retorna e avança
com novo vigor.
Na rua estendidos,
Euclides e Honório,
e mais Osvaldino,
fecharam seus olhos,
seus lábios calaram.
As vagas aumentam
de ódio incontido.
E há novos protestos
do povo ferido.
Alguém arrebata
das mãos de Angelina
a verde Bandeira
que ondula no ar.
Os tiros procuram
o peito de Recchia.
E os tiros ficaram
no peito a morar.
Os olhos dos homens
refletem angústia,
revelam paixão.
Ferido está Recchia,
e há sangue no chão.
Ninguém junto ao leme,
ninguém no comando.
Vermelhas papoulas
matizam o chão.
O rosto em tormento,
cabelos ao vento,
retorna Angelina,
mais alta e mais fina.
“A nossa Bandeira,
nas mãos da polícia?”
E à luta regressa,
com febre no olhar.
Os braços erguidos,
subiam, caiam,
em meio a outros braços,
o mastro a arrastar.
E às mãos vitoriosas,
num breve momento,
retorna a Bandeira
batida de vento.
Um frio estampido
correu pelo espaço,
na rua vibrou.
Vacila a Bandeira,
vacila Angelina,
e a flor de seu corpo
na rua tombou.
(Primeiro de Maio,1954)


(Poema sem título, 1964)

Não. Não aceito este vento
como eterno.
Nem o céu toldado
como paisagem possível.
Nem a música absurda dos tambores
quebrando o ritmo da melodia verdadeira.
Não. Não aceito a mutilação
de meu espírito.
De meus passos,
Da brasa de sonho
que arde dia e noite no meu peito.
Não. Não aceito a vida
emoldurada em formas em formas imutáveis;
as estrelas sem brilho; as vozes fechadas na garganta;
códigos substituindo pensamentos;
a neblina nos olhos; as palavras esmagadas.
Não. É preciso que amanheça.
Que se ouçam os cantos líricos
dos pássaros.
Os cantos nítidos da vida.
A voz dos homens rompendo o silêncio de chumbo.
É preciso que amanheça.
Que a música contida
irrompa caudalosa,
como um rio que deixa o leito
a procura do mar.

2 comentários:

Lilian Pool disse...

Oi Manu, legal teu blog...
Estou fazendo um ensaio sobre nossa poetisa Lila Ripoll pra uma cadeira do Mestrado.
Foi gratificante conhecer essa lutadora, uma mulher que nao tinha medo de mostrar-se
Ao me deparar com as letras cutucantes dessa poetisa uma infinidades de perguntas se fizeram, provocando primeiro um silêncio que foi transcendendo até os segredos e sentimentos mais guardados...
Descobri e me apaixonei por essa mulher que
não foi sem grito
que saiu inteira
ela mesma
solitaria
definida...
da poesia "Grito" de "Coração Descoberto"

Lilian Pool disse...

Oi Manu, legal teu blog
estou fazendo um ensaio sobre Lila Ripoll para disciplina do Mestrado
Descobri nossa autora e desde já me apaixonei, tanto por suas poesias confessionais e intimistas que falam do amor sofrido e solitario, como a poesia social em que denuncia fatos acontecidos como esse no 1º de Maio de 1950 na cidade de Rio Grande e sua poesia final que se rebela contra a dor, a solidão, mostrando-se uma outra mulher, como nesses versos
Grito
Nao, nao irei sem grito
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária.
Definida.
Belo exemplo a ser seguido...